Eu poderia estar representando e exaltando muitas ações, pessoas e momentos da tragédia que nós, sulistas, estamos vivenciando. Eu poderia falar sobre as inúmeras vidas de pessoas já salvas e resguardadas, mas eu quis eternizar ele, o cavalo caramelo. Cavalo este que já foi apenas um cavalo, mas agora não é mais. Ele é símbolo de resistência. Cavalo este que durante dias esteve faminto, angustiado e exausto, adjetivos que infelizmente representaram e representam muitas pessoas e famílias que neste exato momento que você lê este texto removem a lama de suas casas, fogem para abrigos, buscam por seus filhos, pais, parentes e amigos desaparecidos ou aguardam, como na pintura, por um algo; por alguém. Neste cavalo há a representação de um estado inteiro que persiste, mesmo que cansado, mas também há nele a imagem do passado de alguém que persistiu, porém não era mais alto que a água para virar soma de sobreviventes. Sobre quatro cascos, a solidão, e abaixo dela os sonhos afogados. Afogados pela falha, a negligência e o destrado que foram apelidados de "água da chuva". O imprevisto combatível cobriu muito, mas também nos mostrou o poder da solidariedade e esperança. Revelou a força da união, da caridade, da bondade e altruísmo para os que estão aqui sobrevivendo e reerguendo-se. Talvez se estivesse com seus entolhos o caramelo não passasse tão triste. Olharia para a paisagem reta e imaginaria que a água que o cercava estava somente à sua frente. Com seus entolhos, não veria quem clamava por ajuda ao seu lado direito ou esquerdo e poderia fingir que aquilo não era problema dele. Ou quem sabe poderia até pensar que as mortes, os corpos perdidos, os milhares de atingidos, as conquistas destruídas e os dias frios e cinzas eram um tipo de punição divina. Mas não, ele não usava entolhos e via o real. Realidade que dói e que entristece, mas também a de quem protege e acolhe. Um real possível pela sua perseverança. Perseverança do povo de um lugar incrível, de cor, que mesmo com tempestades, se planta, e tudo que se planta ali cresce e o que mais floresce é o amor. Forças, Rio Grande do Sul!
"Perseverança", Gébhertis
Óleo sobre tela
50cm × 30cm
2024
